quinta-feira, março 08, 2007

A televisão de todos nós

A RTP fez hoje 50 anos e fez questão de o celebrar com uma gala no Coliseu dos Recreios. Juntou uma série de pessoas que fazem ou fizeram parte da vida da estação. Juntou as "velhas glórias" que estiveram presentes nas primeiras transmissões e os "putos" que agora dão a cara.
Mas a RTP hoje fez muito mais que isso. A minha casa pode não ser um exemplo muito significativo para fazer estatística, mas pelo menos na minha sala hoje aconteceu algo quase impensável: uma família inteira, sentada durante mais de duas horas, a ver um programa de entretenimento num canal de televisão.
E estou certo que, assim como na minha humilde residência, centenas de outras famílias por esse país fora, assistiram em conjunto ao reviver de lembranças que fazem parte da História e da cultura deste país.
Não deve ser fácil explicar a um adolescente que agora tenha os seus 15 anos o que é a RTP, o que era a televisão antes de haver a TV Cabo e a internet. Mesmo mostrando-lhe as imagens que o canal público fazia chegar a nossas casas, de pessoas com roupas esquisitas, penteados ridículos, óculos com o dobro do tamanho das faces, algumas ainda a preto e branco. Era preciso estar lá, no sofá, a sentir coisas extraordinárias. Emoções que não têm explicação, que faziam parte do quotidiano e que agora parecem tão distantes. Mas lá, naqueles momentos em que o país parava para ver os Jogos Sem Fronteiras ou um Festival Eurovisão da Canção, havia uma emoção colectiva praticamente impossível de replicar nos dias de hoje.
As famílias reuniam-se durante horas à volta da televisão, juntavam-se vizinhos na mesma sala e ali ficavam horas a falar, a conviver, a socializar. No dia seguinte toda a gente falava do que viu, toda a gente sabia do que se falava e toda a gente conhecia o Eládio Clímaco, o Júlio Isidro, o Duarte e Companhia, o Raúl Durão, o Eng. Sousa Veloso, o Vasco Granja, o Badaró, a Alice Cruz e a Fátima Medina. Sabiam de cor os nomes de todos os jornalistas, apresentadores, locutoras de continuidade e meteorologistas. Sabiam das notícias com um atraso de um dia ou dois, esperavam pela canção do Vitinho para irem descansados prá cama, só viam os filmes americanos na televisão passados cinco ou seis anos da sua estreia no cinema e dois ou três anos depois de terem passado pelos clubes de vídeo.
Hoje isso acabou. A gente que conhecer os nomes que escrevi atrás pode considerar-se gente do antigamente. Gente que jamais irá passar mais do que duas horas em frente a um receptor de imagem, sem mudar de canal, a menos que seja para ver um jogo de futebol...com prolongamento e penalties!
Já ninguém quer saber do Festival da Canção e da eleição da Miss Portugal, já ninguém se lembra que os números da Lotaria eram "cantados" em directo e que o Carlos Cruz, antes de ser arguido no processo da Casa Pia, já era famoso por ser apresentador de telvisão desde mil novecentos e carqueja. Já quase ninguém se lembra que o Herman José tinha piada! Já ninguém consegue estar parado no mesmo canal muito tempo, salvo se estiver a dormir e a babar-se no sofá com a televisão ligada. O tempo não volta atrás! E quem nunca passou por isto, bem pode tentar, mas jamais em tempo algum poderá sentir o que eu senti esta noite, sentado no sofá, com os meus pais, a minha irmã e a televisão.
Tantas vezes as lágrimas me vieram aos olhos! Com saudades de um tempo em que era pequeno e a televisão era tudo! Era "a" televisão! Hoje, por momentos, senti-me pequeno outra vez. Senti-me teletransportado para uma noite qualquer nos anos 80. Ali estávamos nós, sentados no sofá, a ver as mesmas caras que conhecemos há décadas e que insistem em entrar-nos pela casa adentro. As mesmas caras das mesmas pessoas que, à força de tanto aparecerem, se foram tornando nossas amigas.

Hoje, agradeço à RTP por se ter aguentado tanto tempo no ar, apesar dos tempos em que desapareceu dos radares das audiências e se falava da sua privatização. Agradeço à RTP o facto de ter guardado nos seus arquivos a História. A História que é também a história da minha vida e a História do meu tempo. E agradeço sobretudo à RTP, por me ter deixado voltar a ter, hoje, um verdadeiro serão em família.

Bem haja, RTP. E parabéns!

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